terça-feira, 22 de junho de 2010

Sociedade de resultado

Minha primeira Copa do Mundo foi a de 1982.
Até então eu nunca havia me interessado por futebol, sempre fugindo da bola nas aulas de educação física do colégio.
Não sei se foi exatamente o esporte que me cativou naqueles dias de euforia. Lembro-me de meu pai trazendo fogos de artifício para casa, um ímpeto de celebração que era novidade para mim. Descobri que havia figurinhas dos jogadores embalando os chicletes de bola e quadradinhos em branco a serem preenchidos em uma comerciária variedade de tabelinhas confeccionadas por fabricantes de amortecedores, redes de armarinhos, achocolatados vitaminados e por aí afora.
E interessei-me pelo mundo, mais que em qualquer aula de geografia. Argélia, Kwait, El Salvador, Honduras, Nova Zelândia, Camarões e o exotismo de tantas cores, camisas, semblantes, nomes impronunciáveis para a minha rasa tarimba. Logo simpatizei com as chamadas zebras, os mais fracos, por representarem o improvável, o quase impossível. Os indies do futebol.
Também encantei-me com o Brasil. À medida que as vitórias da seleção brasileira se acumulavam, tive como certa a sua consagração. Na partida de Sarriá, a cada vez que a Itália marcava um gol no gramado inconstante da Sanyo 20 polegadas da sala, eu corria para o quarto para, chorando, implorar ao meu santinho de estimação, um menininho Jesus de Praga nomeado por minha mãe como protetor de meu nascimento e que ficava em um altarzinho de madeira, uma sorte melhor para o aclamado escrete canarinho.
Depois do jogo, meu pai saiu para buscar pão, como costumava fazer nos finais de tarde de fins de semana e feriados. Minha mãe sentou-se à mesa de jantar para esperá-lo. Aqueles comportamentos rotineiros, porém, pareciam-me despropositados. Eu não me conformava que teria de esperar quatro anos, quatro longos anos – mais de um terço do que havia vivido – por uma nova chance.
Eu não sabia disso naquele momento, mas Paolo Rossi acabava de me ensinar uma lição fundamental: a da frustração. Mais tarde aprendi, com outros Rossis, que as derrotas de todo dia dificilmente incluem uma possibilidade de redenção com data marcada; a espera, no caso, pode ser para sempre.
Analisando friamente, aquela foi não só a primeira mas também a minha última Copa. Em suma, perdi a fé, que me perdoe o meu santinho padroeiro. As coisas da vida, em geral, se revelam muito mais parecidas com a seleção do Dunga que com a do Telê. O primeiro, a estirpe do vencedor, defensor de um calculista futebol de resultados, predomina cada vez mais em relação ao estetismo do segundo. O calcanhar de Sócrates passou a ser visto como um calcanhar de Aquiles social, uma vez que os meios, ainda que providos de genialidade, perderam o valor se não levam a um fim pragmático.