Uma das primeiras teorizações sobre suicídio de que tive notícia está em um verso de Bono Vox numa das faixas de “The Joshua Tree”, de 1987. Eu tinha 16 anos e até hoje não cheguei à conclusão se a frase é de uma poética pueril ou simplesmente pobre: “Every day the dreamers die/ to see what´s on the other side” (“Todo dia os sonhadores morrem/ para ver o que há do outro lado”).
Bonito, até. Como a cena em que o protagonista de “The Million Dollar Hotel”, de Wim Wenders, se enche de lirismo – uma corridinha em lento travelling ao som de adivinhem que banda? - para pular de um prédio.
Muitos Drakes, Plaths, Cristinas Césares e Cobains depois, sem contar meus suicidas interiores, posso dizer que a decisão de pôr fim à própria vida exerce em mim um certo fascínio. Tudo bem que nem só artistas geniais se matam. Certamente os anônimos que perturbam condutores e passageiros da companhia de trens metropolitanos e os nada glamorosos perdidos de amor que fazem aumentar o consumo de veneno de rato nas periferias contam muito mais para as estatísticas que músicos, escritores e criativos em geral.
Fico imaginando o ponto de inflexão em que o compasso de espera –por qualquer coisa que seja- se torna insuportável. E aí, então, como é tomada a decisão? Friamente? Por impulso? Conscientemente? Escolhe-se a roupa de baixo? A última refeição? Escovam-se os dentes? Ou nada disso importa mais, exterminadas, antes da aniquilação do corpo, a vaidade, a vontade e a pulsão que humanizam a existência e a ela conferem algum sentido?
Qualquer coisa de fascinante, mesmo, só se for do lado de cá, do observador. Do lado de lá, de dentro do observado, à medida que cresce o terror, é exatamente o fascínio que se ausenta. Desloca-se, no caso dos criadores, para a sua obra. Como aconteceu com os músicos Mark Linkous e Vic Chesnutt, que transformaram a dor em poesia –uma conferindo autenticidade à outra- até onde foi possível. Suas canções, que me levaram a escrever este texto, encantam e continuarão encantando muita gente por um bom tempo.
Esse é o único alento ao desespero de imaginar que, ao contrário do que prega a filosofia de arena do Bono, no fim esses caras simplesmente fecharam os olhos para qualquer tipo de sonho.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário