sábado, 27 de março de 2010

It´s a Wonderful life

Uma das primeiras teorizações sobre suicídio de que tive notícia está em um verso de Bono Vox numa das faixas de “The Joshua Tree”, de 1987. Eu tinha 16 anos e até hoje não cheguei à conclusão se a frase é de uma poética pueril ou simplesmente pobre: “Every day the dreamers die/ to see what´s on the other side” (“Todo dia os sonhadores morrem/ para ver o que há do outro lado”).
Bonito, até. Como a cena em que o protagonista de “The Million Dollar Hotel”, de Wim Wenders, se enche de lirismo – uma corridinha em lento travelling ao som de adivinhem que banda? - para pular de um prédio.
Muitos Drakes, Plaths, Cristinas Césares e Cobains depois, sem contar meus suicidas interiores, posso dizer que a decisão de pôr fim à própria vida exerce em mim um certo fascínio. Tudo bem que nem só artistas geniais se matam. Certamente os anônimos que perturbam condutores e passageiros da companhia de trens metropolitanos e os nada glamorosos perdidos de amor que fazem aumentar o consumo de veneno de rato nas periferias contam muito mais para as estatísticas que músicos, escritores e criativos em geral.
Fico imaginando o ponto de inflexão em que o compasso de espera –por qualquer coisa que seja- se torna insuportável. E aí, então, como é tomada a decisão? Friamente? Por impulso? Conscientemente? Escolhe-se a roupa de baixo? A última refeição? Escovam-se os dentes? Ou nada disso importa mais, exterminadas, antes da aniquilação do corpo, a vaidade, a vontade e a pulsão que humanizam a existência e a ela conferem algum sentido?
Qualquer coisa de fascinante, mesmo, só se for do lado de cá, do observador. Do lado de lá, de dentro do observado, à medida que cresce o terror, é exatamente o fascínio que se ausenta. Desloca-se, no caso dos criadores, para a sua obra. Como aconteceu com os músicos Mark Linkous e Vic Chesnutt, que transformaram a dor em poesia –uma conferindo autenticidade à outra- até onde foi possível. Suas canções, que me levaram a escrever este texto, encantam e continuarão encantando muita gente por um bom tempo.
Esse é o único alento ao desespero de imaginar que, ao contrário do que prega a filosofia de arena do Bono, no fim esses caras simplesmente fecharam os olhos para qualquer tipo de sonho.

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